Wednesday 24 March 2010

C de...

Cama de rede

Prefiro a palavra inglesa, hammock. Agrada-me mais a ideia de “hammocar”* do que a ideia de “dormir numa cama de rede”. Chamemos-lhe hamoque por hoje. Com agá e sem furores homicidas nem opiáceos.
O local ideal para um hamoque é na varanda da casa. Àqueles que estão já a torcer o nariz, porque é entre duas árvores que se planta um hamoque, no meio da natureza real, digo que o equilíbrio é que é bonito: há lugar para as duas opções, quando se vive na selva! Mais, é bom ter um frigorífico à mão, ainda que este só esteja ligado durante a noite. As varandas são simpáticas, porque têm menos quantidade e variedade de bichos. E vêem-se as estrelas de igual forma. Como não tenho varanda, pendurei o meu hamoque na sala umas noites antes da partida, de forma a treinar o corpo para o sono baloiçado. Bem ao centro. Abro as janelas de paredes opostas e baloiço-me enquanto leio ou me deixo estar, simplesmente. Mesmo quando o vento não sopra, o movimento hamocante cria uma brisa maravilhosa.
Por falar em maravilhas, um hamoque para fins recreativos e românticos é uma coisa; pendurá-lo para que nele possamos cumprir o milagre do sono descansado é outra. É fácil, mas uma miúda não adivinha, caramba. Portanto depois de muita tentativa, erro e reflexão (ai avaliação, sempre presente!), sou perita. Aceitai algumas dicas:
- Se há pouca distância entre as duas extremidades do hamoque, o truque é esticá-lo mais, subindo-o. Assim fica mais direito e confortável, apesar de alto e perigoso para o tombo. Como o espaço que tenho é relativamente pequeno, da primeira vez senti-me uma sanduíche, com os pés a querem tocar a cabeça! Mas depois subi o hamoque e a qualidade acompanhou o movimento.
- Os nós são importantíssimos. Maninho, és bem capaz de me ter ensinado uns perfeitos para isto nas nossas aventuras pela escalada... Não existe um “nó certo”; importante é que não se desfaça. Nas noites de treino do sono hamocado, lembro-me que esta era uma das razões de insónia: estava sempre a mirar os nós e ver se se tinham mexido na ausência do meu olhar atento. Quando cá vierem logo vêem como se dão os nós. Sou boa a dar o nó :p
- Podemo-nos deitar no hamoque free style; Não tem de ser de rabo para baixo. Foi uma alegria perceber que me podia deitar de lado! Zzzz

Ainda só usei o meu hamoque num contexto autêntico durante um par de noites e foi bom. Muito bom: Passei um fim-de-semana numa ilha situada no poderoso Potaro: Ilha de Amatuk. Fomos até Pamela Landing numa das típicas carrinhas 4x4 (os empreiteiros portugueses deviam vir viver para aqui, pelo menos teriam real motivo para usarem estas gigantes pick ups). Ninguém me explicou porque se chama “landing”, já que ninguém aterra por ali. Metemo-nos num pequeno e velho barco de madeira e deslizámos sobre as águas do Potaro durante cerca de hora e meia. 


A ilha de Amatuk é pequena: uns 200 metros redondos (quadrados, vá). É melhor virem cá ver, porque eu não sou de confiança nisto das estimativas. Culpo as minhas professoras primárias  por esta limitação! Limitações para trás, foi fantástico ter uma banheira gigante a meus pés durante um fim-de-semana. Pena é que eu seja muito tímida no modo como me relaciono com as enguias eléctricas e piranhas; Senão teria nadado a bom nadar. Assim, fui refrescando o corpo e a mente muitas e deliciosas vezes.
Por lá andava um menino ameríndio de 9 anos com imensa piada, que me ensinou uns truques de cartas. Não sabia ler, mas isso é um outro texto...

* Dedicatória do post: Juom, aqui tens a resposta à pergunta sobre o verbo ;)  

Tuesday 16 March 2010

B de bois na minha rua

Depois de ser perseguida por uma manada de vacas no País de Gales, confesso que aprendi a lidar melhor com vacas. Pelo menos sei que quando têm crias não nos devemos aproximar porque podem atacar, defendendo a prole; Descobri também que apesar de estarem a correr na minha direcção, havia a possibilidade de estarem apenas curiosas em relação a este ser de duas pernas que lhes entrou campo adentro (o que, considerando o tamanho e ar zombie destes bichos, é suficiente); Aprendi que quando se anda a passear um cão, se houver uma manada de vacas, o melhor é levar o cão ao colo, porque elas ficam loucas quando vêm quatro patas. Como vêm, Ty Newyth foi só aprender!
Do país de Gales para a Guiana: Digo-vos que as ruas são uma animação de cores e ruídos. A terra batida e abatida na maioria dos lugares é vermelha, os cães magricelas mancos ou com três patas, os gatos lingrinhas e com peladas, as almofadas andantes que são as ovelhas, os bodes com as suas longas barbas e mais longos ainda testículos (credo, não tinha noção do tamanho!), as galinhas bravas animadas, as galinhas chocas e poedeiras (acho que estou a inventar, não sei), os galos que cantam de 12 em 12 horas, às 6 certas, os sistemas de som das enormes carrinhas americanas dos garimpeiros, os psssst dos transeuntes do sexo masculino aquando da passagem de qualquer fêmea e os longos muuuuu dos bois pretos, enchem estas 3 ruas da minha querida Mahdia.
Como tinha ouvido falar tanto dos garimpeiros e que não se podia andar na rua porque nos andariam sempre a assediar, não trouxe sapatilhas nem roupa para correr. Assim, quando ontem decidi correr pela primeira vez, fiz-me ao caminho com as botas de caminhada e uns trapos mais largos. Não é o mais recomendável nem o mais confortável, mas soube-me tão bem que não podem calcular. Foi um prazer só comparável ao de comer pão quente com manteiga de amendoim hoje pela primeira vez. 

Continuem a mandar mails, sms e cartas, contando-me das vossas vidas. Gosto imenso de saber o que andam a fazer. É um misto de sentimentos: é tão estranho quando sei que as coisas aí estão a mudar. Um secreto desejo de que tudo congele na minha ausência. Suponho que seja o meu inconsciente a achar que bem basta tudo o que em mim vai mudar, portanto é preferível acreditar que o “meu mundo” com os “meus amores dentro” se mantenha igual e seguro. Mas esse é só dos lados, o outro lado - maior - quer e precisa de pormenores da vida real, que é uma das maneiras que tenho de sentir que ainda vos pertenço.
Beijos, saudades, amor

Sunday 7 March 2010

A de Ameríndio


A de Ameríndio
A primeira escola que visitei foi Micobie. É geograficamente perto de Mahdia, mas demora-se muito a chegar lá, uma vez que o caminho é feito em terra batida e abatida. A maior parte do percurso foi feita a passo de caracol, com a tracção às quatro rodas ligada. O que aqui nos vale é que o condutor é um senhor experiente e responsável. Obrigada Andy! Não posso precisar o tempo que demorámos, porque já me aculturei, ou seja: foi muito. Isso pode ser qualquer coisa entre a hora e meia e as 3 horas.
É tal a animação do percurso que me esqueci do que ia dizer: ameríndios! Pois bem, o professor da primeira escola que visitei é ameríndio e disse-me que todos os alunos da escola são da família dele.
Segundo os estudo arqueológicos, os ameríndios são o povo indígena deste país. De acordo com o Bradt Guide, eles estão cá desde 9000AC. Crê-se que tenham vindo da Ásia. A mesma fonte diz que há vestígios de comunidades agrícolas responsáveis pelo cultivo de cassava com mais de 3000 anos.
Na próxima 4ª feira parto numa excitante viagem pelas escolas mais remotas desta região. O caminho far-se-á de carrinha (4x4); ATV (moto 4); barco; avioneta e a pé. Não há por cá comboios!
Partimos no dia 10 e regressaremos no dia 24/25. São muitos dias e vou tentar deixar-vos o mapa, para que tenham ideia dos lugares por onde andaremos. Ignorem “Kaieteur” – era o meu subconsciente! Não vou lá nesta viagem. A informação foi-me dada oralmente e em vez de Kato, entendi “Kaieteur”.
Se trabalhar com as escolas daqui de Mahdia já vai ser um desafio (falta de motivação dos professores que encaram o ensino como uma plataforma de acesso a empregos melhores, turmas enormes, alunos de 16 anos que não sabem ler, etc.) estas escolas serão ainda mais complicadas, porque chegar lá implica muita logística e preparação. Talvez passe um par de semanas em cada uma, a dar formação/apoiar os professores. Vou mas é deixar a carroça ir atrás dos bois e decidir quando a altura chegar!

Tudo a torcer para que corra bem bem bem:-)
Mil beijos e mimos para vocês


blogando em português para vocês!


Resolvi criar este blogue em português para os meus amigos portugueses, que não gostam de ler inglês. Nomeadamente a minha “Sélêna”, Verinha e Zu. Sois lindas e mereceis :-)

Sabem que a minha criatividade é limitada, por isso, o formato deste espaço será semelhante ao Raquelvso.blogspot.com, ou seja, o abecedário! Sou mesmo professora primária, não sou? Um complementará o outro, porque as palavras serão diferentes, naturalmente.
Espero que gostem. Até já!