Tuesday 27 April 2010

E de...

... electricidade controlada
Foi surpreendentemente fácil habituar-me a só ter electricidade à noite.
O Roger tem um grande gerador que produz electricidade para Mahdia. Obrigada Roger! Em teoria funciona das 18h às 6h. Na prática há uns descontos.
Nunca pensei no assunto antes de decidir vir para cá, simplesmente porque estava habituada a ter electricidade a qualquer hora, em qualquer lugar. Mas a verdade é que a electricidade faz mais falta à noite, que é quando a tenho. Quase sempre.
Há umas lamparinas pela casa, que acendo sempre que a electricidade falha. Quando isso acontece, fecho o livro, vejo com as mãos o caminho até à lamparina mais próxima, ligo o ipod e espero. Nada como um intervalo!
Falando em ipod, já esgotei as pilhas que trouxe para as colunas. As que se vendem por cá são tão fortes como as que vocês aí metem no pilhão.
Queixinhas fora, vive-se bem com electricidade (des)controlada. É uma questão de organização e gestão de tomadas. O maior mistério para mim, antes de aqui chegar, era o frigorífico. Com tanto calor, será que as pessoas vivem sem frigorífico? Resposta afirmativa, para o comum dos habitantes. Eu faço parte dos sortudos que têm um (o quarteirão dos funcionários públicos tem casa de banho dentro de casa e frigorífico). A minha mãe falou-me dos frigoríficos a gás e pensei que o meu fosse desses. Ao entrar na cozinha vi que era um electrodoméstico normal. Em suma, à noite é um frigorífico e de dia é uma caixa térmica gigante.
Guardo garrafas de água no congelador e assim tenho gelo durante o dia. Não é de acesso fácil, mas cumpre e agora que trouxe rum da capital, já posso bebê-lo on the rocks. Saúde!

... e Ecoturismo

O turismo na Guiana é como os domingos: tanto pode ser uma experiência bonita, única e idílica, cheia de descanso e dores musculares das boas, como pode ser um poço de frustrações e esperas aborrecidas, com as portas todas fechadas. Este é a meu ver o grande problema de se fazer turismo aqui, sobretudo quando se vem habituado ao livro de reclamações e satisfação do cliente. Aqui há o acaso. As únicas experiências de turismo que tive cá dentro foram maravilhosas e sei que tive sorte.
Passei a Páscoa na Região 9 e fui cobaia do David. Filho de mãe ameríndia e pai africano, David tem uma família lindíssima, imensa energia e muita força de vontade.
Este senhor já trabalhou em tudo e já se candidatou (a si e à aldeia) a mil projectos, tendo ganho imensos subsídios para imensos projectos que, na maior parte dos casos, morreram pelo caminho. Este é um novo projecto e parece ter boas pernas para andar. Precisa de exercitar os músculos turísticos. Deixo então os contactos, para que possam ajudar, enquanto se deliciam com o que esta terra tem para oferecer:

1. Parishara Village - David Ng-A-Fook
+592 6974608
Eu o Dan fomos as cobaias da experiência do David. Ele tinha participado numa oficina sobre eco turismo, ficou entusiasmado, pediu a casa emprestada à professora primária, convidou-nos e falou com uns quantos vizinhos: Nasceu uma possibilidade muito bonita.
É tudo novo, em termos de oferta turística e o David está sempre por perto e atento, com tudo feito à nossa medida. Tenham o cuidado de não pedir demais, porque ele vai fazer de tudo para conseguir satisfazer os vossos caprichos!
Ficámos na casa junto à escola, que é onde vive a professora em tempo de aulas, mas tínhamos levado hammoques e dissemos-lhe que normalmente um cliente que procure eco-turismo, dorme em hammoque feliz e contente. Ele disse que estavam a construir um benab para esse efeito, junto à sua casa. Bem giro, feito com folhas de palmeira. Fotos assim que a ligação o permitir.
De madrugada, antes do nascer do sol num céu gigante, procurámos o papa formigas gigante, que não nos quis conhecer. Soube tão bem ouvir o silêncio mais puro, nem vento nem pássaro a quebrar. Aprendemos a fazer pão de cassava, comemos um delicioso peixe dali e ouvimos histórias sobre os animais e as pessoas da savana, pela voz de um ameríndio, Lionel John. Ele é também o líder daquela aldeia e artesão. Trouxe um papa formigas em madeira de leopardo para o meu afilhado!

2. Maipama Eco-Lodge – Guy Frederick
+592 6969789
+592 6968461
Aqui já se recebem turistas há quase 10 anos. É bem no meio da selva e não há electricidade, mas há vodka com gelo... Passo a explicar: Como querem agradar ao turista e sabem que este está habituado a ter electricidade para tudo (ele é escova de dentes eléctrica, máquina de barbear, ar condicionado, rádio, computador, telemóvel, liquidificador, torradeira e por aí em diante), plantaram um gerador. Este, claro está, é barulhento e os clientes queixaram-se que tinham vindo para tão longe, procurando ouvir apenas a voz da mãe natureza e dos seus filhos. Abundam por aqui!
Podem ficar pelo lodge (perdoai-me o português), usufruindo de banhos no riacho de águas cristalinas a agradáveis temperaturas, com pequenos peixes curiosos, ou podem caminhar até às Jordan Falls, a cerca de 14km dali. Quem tiver bom andamento pode ir e voltar no mesmo dia, eu escolhi a versão ligeira e aproveitei a contraditória força do poderoso rio para me embalar nas leituras e para me massajar nos banhos. Pernoitámos lá, passeámos mais um bocado no dia seguinte e regressámos, de pernas doridas e sorriso no rosto (Acho que a parte das pernas doridas não se estende ao Dan).

Aconselho vivamente o mesmo que eu fiz: uns dias na savana de céu e silêncio infinitos, na aldeia de Parishara, e uns dias na selva, onde o céu é minúsculo e há um constante espectáculo de som e cor, entre howler monkeys (relevem e traduzam lá sff que não posso abrir sites, está bem?), sapos, pássaros e pirilampos atrevidos. Ah, isto faz-me lembrar que vi finalmente a ave de que tanto se fala por cá, cock of the rock. São muito tímidos mesmo, por isso qualquer ruído os faz fugir.

D de desconsolo

Desconsolada com o desconcerto de ideias pobrezinhas e miseravelmente articuladas que a linda letra d suscitou, resolvi apagar o post e passar por cima, deixando um espaço em branco a onde quero voltar.

Se ignorarmos a Guiana, “e” pode ser de emoções. A morte abala-nos as bases, deixa-nos as pernas a tremer, porque nos recorda que acontece a todos. Podemos perder as nossas pessoas e não há treino que nos prepare para tamanha injustiça. De nada serve saber que é inevitável. Não há tempo nem sinal que nos prepare. Não há consolo. É triste e como tal, sofre-se. Depois é preciso aceitar-se, libertarmo-nos do sentimento de injustiça, focarmo-nos na história que nos uniu e guardarmos imagens bonitas, que podemos e devemos partilhar: a sorte de termos sido parte da vida daquela pessoa.

Achava (ou ainda acho?) que o Mephaquin me anda a deixar zonza durante dois dias todas as semanas. A informação existente sobre a mefloquina é contraditória e depois de muita leitura, discussão e ponderação, resolvi continuar a fazer a profilaxia. Em resumo, os médicos locais aconselham a profilaxia (mefloquina ou doxiciclina, de acordo com cada caso) às pessoas que tenham passado a maior parte da vida em países livres de malária, porque acreditam que a doença nos atinge com gravidade preocupante. Quanto aos “nativos”, encaram a doença com a leveza de um resfriado. Nem sequer como uma gripe, apenas um resfriado.

Com o coração enregelado por ter perdido a chamado do meu querido António e com hits (ouve-se baby love, beach boys; I’m a believer, the monkees; heart of glass, blondie... entre outros!) nos ouvidos, aviso que voltarei com o “e” de Ecoturismo e electricidade!
Beijos e abraços